Sustentabilidade do Arcabouço Fiscal: Uma Análise Crucial para o Risco País do Brasil
O Brasil tem sido historicamente um palco de intensos debates fiscais, onde a busca por um equilíbrio entre a necessidade de gastos públicos e a responsabilidade com a dívida é uma constante. No centro desse embate, o novo arcabouço fiscal emerge como a mais recente tentativa de pavimentar um caminho para a estabilidade. No entanto, sua sustentabilidade – a capacidade de realmente entregar o ajuste prometido e estabilizar a trajetória da dívida – é o ponto de inflexão que determinará a percepção do risco país e, por consequência, o futuro da economia brasileira.
O Arcabouço Fiscal em Detalhes: Promessas e Mecanismos
O arcabouço fiscal, aprovado em meados de 2023, veio substituir o teto de gastos, uma regra que, apesar de suas intenções, se mostrou ineficaz em conter o ímpeto expansionista das despesas públicas. A nova regra busca ser mais flexível, mas, em tese, igualmente rigorosa. Seus pilares incluem:
- Um limite de crescimento real para as despesas primárias, que não pode exceder 70% da variação real das receitas primárias do governo.
- A definição de metas de resultado primário (receitas menos despesas, excluindo juros) para o governo central, com faixas de tolerância que permitem desvios.
- Gatilhos de ajuste, como a proibição de reajustes de salários ou a criação de novas despesas obrigatórias, caso as metas fiscais não sejam cumpridas em determinado período.
A promessa subjacente é ambiciosa: conter o crescimento da dívida pública e, em última instância, estabilizá-la e até reduzi-la em proporção ao PIB. Isso, teoricamente, resgataria a confiança dos investidores e das agências de rating.
A Sustentabilidade sob a Lupa dos Analistas
A percepção de sustentabilidade do arcabouço fiscal é heterogênea e complexa, oscilando entre otimismo cauteloso e ceticismo arraigado:
Pontos que Geram Otimismo e Confiança:
- Sinalização de Responsabilidade: A própria existência de uma nova regra fiscal, após o descumprimento recorrente da anterior, é interpretada por alguns como um sinal do compromisso do governo com o ajuste, ainda que seja um passo inicial.
- Mecanismo de Crescimento da Despesa Vinculado à Receita: Ao atrelar o aumento de gastos ao desempenho da arrecadação, o arcabouço tenta criar um ciclo virtuoso onde a expansão econômica gera mais receita, permitindo algum aumento de despesas sem descontrole.
Pontos de Preocupação e Ceticismo:
- Dependência da Receita: A regra é fortemente dependente do crescimento da receita, que por sua vez depende do crescimento econômico e de medidas de aumento de arrecadação. Em cenários de desaceleração ou frustração de expectativas de reformas, a sustentabilidade pode ser comprometida.
- Flexibilidade Excessiva e Gatilhos Fracos: Críticos argumentam que as faixas de tolerância para as metas e a maleabilidade de alguns gatilhos podem diluir a disciplina fiscal, abrindo margem para que os objetivos não sejam atingidos sem consequências graves.
- Pressões Políticas: O histórico brasileiro mostra que pressões por mais gastos, especialmente em anos eleitorais ou diante de crises sociais, são uma constante e podem facilmente minar qualquer regra fiscal, por mais bem intencionada que seja.
- Metas Ambitivas: As metas de superávit primário estipuladas para os próximos anos são consideradas por muitos analistas como desafiadoras, especialmente no contexto de um país com grandes demandas sociais e alto nível de endividamento.
A Conexão Direta com o Risco País
A sustentabilidade do arcabouço fiscal é um fator primordial para a determinação do risco país do Brasil. O risco país é a percepção que investidores estrangeiros e agências de classificação de risco têm sobre a capacidade e a vontade de um país honrar seus compromissos financeiros. Ele se reflete em indicadores como os spreads dos títulos da dívida (CDS – Credit Default Swaps) e o custo de captação de recursos no mercado internacional.
Cenário de Sustentabilidade Percebida:
Se o arcabouço fiscal se mostrar sustentável na prática, com o governo demonstrando capacidade de cumprir as metas e estabilizar a dívida:
- O risco país tende a cair, resultando em menores spreads de CDS.
- O custo de empréstimos para o governo e empresas brasileiras diminui, fomentando o investimento.
- A confiança dos investidores aumenta, atraindo capital estrangeiro para o país.
- A taxa de juros básica (Selic) pode ser reduzida, impactando positivamente o consumo e o investimento interno.
- O câmbio tende a se valorizar, contribuindo para o controle da inflação.
Cenário de Insustentabilidade Percebida:
Caso o arcabouço fiscal seja visto como insustentável, incapaz de gerar o ajuste fiscal necessário:
- O risco país se eleva, com aumento dos spreads de CDS e da percepção de default.
- O Brasil torna-se um destino menos atraente para o capital estrangeiro, que pode até fugir do país.
- A taxa de juros aumenta para compensar o maior risco, encarecendo o crédito e o investimento.
- O câmbio tende a se desvalorizar, pressionando a inflação e corroendo o poder de compra.
- As agências de rating podem rebaixar a nota de crédito do país, agravando o cenário de desconfiança.
Desafios e Próximos Passos
A execução é, sem dúvida, o maior desafio. De nada adianta uma regra bem desenhada se a vontade política para cumpri-la esbarra em pressões diversas. Além disso, a sustentabilidade do arcabouço não pode ser vista de forma isolada. Ela precisa estar em sintonia com reformas complementares, como a tributária e a administrativa, que visam aumentar a eficiência dos gastos e a capacidade de arrecadação do Estado sem asfixiar a economia.
A comunicação transparente e a credibilidade das equipes econômicas serão fundamentais para gerenciar as expectativas do mercado e consolidar a percepção de que o ajuste fiscal é um compromisso sério e de longo prazo. O cenário econômico global, com taxas de juros elevadas e incertezas geopolíticas, adiciona uma camada extra de complexidade, exigindo ainda mais disciplina fiscal de economias emergentes como o Brasil.
Conclusão
A sustentabilidade do arcabouço fiscal não é apenas uma questão contábil; é um pilar da confiança do mercado e um determinante crucial para o risco país do Brasil. A capacidade de o governo manter o equilíbrio fiscal, mesmo diante de pressões e incertezas, será o termômetro para investidores nacionais e estrangeiros. Um arcabouço fiscal robusto e crível é a ponte para um ambiente de menores juros, maior investimento e crescimento econômico sustentável. Sua falha, contudo, poderá mergulhar o país novamente em um ciclo vicioso de endividamento, inflação e baixo crescimento, com graves consequências para a população e para a posição do Brasil no cenário global. O monitoramento contínuo da execução da política fiscal será, portanto, a tarefa mais importante para qualquer analista financeiro nos próximos anos.
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